quinta-feira, 18 de abril de 2013

Série especial - Invisíveis: Vergonha na cara

A falta de dinheiro, de casa digna e comida para os filhos gera constrangimentos - mesmo para pessoas que recebem dinheiro do governo e continuam vivendo na linha da pobreza
Invisíveis: Vergonha na cara Mateus Bruxel/Agencia RBS
Vanessa vive com os dois filhos numa casa sem janela e sem banheiro, na RestingaFoto: Mateus Bruxel / Agencia RBS

     No segundo dia da série que retrata a pobreza em Porto Alegre, o Diário Gaúcho mostra a história de pessoas que, mesmo com ajuda do governo, como o Bolsa Família, ainda enfrentam situações definidas por elas como humilhantes. Se escondem por não ter banheiro em casa e dividir o teto com ratos. Sentem vergonha de receber dinheiro de programas sociais porque não conseguem sustentar os filhos.

     Se a presidente Dilma Rousseff comemorou, em 19 de fevereiro passado, o fim da pobreza extrema para 2,5 milhões de beneficiários do Bolsa Família (pelo menos outros 2,5 milhões continuam nesta situação), a reportagem comprova hoje que esta página da história ainda não foi virada para várias famílias de Porto Alegre.

 

     Antes de sair com um balde de dentro da casa de papelão, revestida de lona, a frentista desempregada Vanessa da Cruz Barbosa, 30 anos, enfia a cabeça pela única abertura do casebre e olha para os dois lados da Vila Chácara dos Pinheiros, no Bairro Restinga, no Sul da Capital. Apesar de fazer isso várias vezes por dia, envergonha-se de jogar no pátio o que deveria ter sido feito num vaso sanitário. Vanessa sente vergonha por não ter um banheiro para os filhos Lorenzo, dois, e Laion, seis anos.

     Vivendo há um ano no casebre sem janelas, a ex-frentista sobrevive com R$ 210 do Bolsa Família. E luta para se aposentar no INSS. Com problemas de audição desde o nascimento, Vanessa teve seu calvário aumentado ao descobrir que tem uma doença degenerativa que afeta neurônios, causando rigidez dos músculos, o que restringe seu caminhar e engolir.

     - Vivemos em área de extrema miséria. O pior é morar numa casa sem janela e sem saneamento básico - desabafa Vanessa.

     O mesmo sentimento de vergonha é compartilhado por Fabiana Nunes da Silva, 32 anos, viúva, mãe de oito filhos: Ezequiel, 16 anos, Dienifer, 14, Dionathan, 13, Alexsander, 11, Gabriel, seis, Daniel, quatro, Alejandro, um, e Mateus, dois meses. E é avó de Miguel, seis meses, filho de Dienifer. Moradora de uma área de risco às margens da BR-290, na Ilha do Pavão, Fabiana perdeu o emprego de serviços gerais no contrato de experiência, quando soube da última gravidez.

     Hoje, vive com R$ 630 - parte pensão de dois dos filhos e parte Bolsa Família. Porém, o dinheiro não é suficiente para tirar a família da extrema pobreza - R$ 63 mensais por integrante. Pobre é acima de R$ 70. Cabisbaixa, Fabiana alega:

     - Pobreza é não ter emprego, não poder sustentar sozinha meus filhos. Ganho ajuda do governo, mas isso não pode ser para sempre. Preciso sair desta situação.

Frestas e ratos

     Por estarem no Bolsa Família, Vanessa e Fabiana já deveriam ter deixado a linha da extrema pobreza, de acordo com os critérios do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

     Conforme o órgão, os 2,5 milhões de beneficiários brasileiros que permaneciam nessa situação passariam a receber em março um complemento no valor mensal para ultrapassarem a linha. Desses, garante o MDS, 5.125 famílias - 9.104 pessoas - eram de Porto Alegre. Porém, isso ainda não havia ocorrido com Vanessa e Fabiana até ontem. Na família do catador Marco Antônio Marcelino Rolim, 45 anos, também da Ilha do Pavão, o sentimento de vergonha segue de mãos dadas com o medo.

     A mulher, Cinara de Oliveira, 38 anos, e os cinco filhos evitam falar da convivência permanente com baratas, ratos e outros animais peçonhentos que se criam em meio ao lixo espalhado pelo pátio e entram pelas frestas da casa de madeira - equilibrada sobre palafitas de 2m de altura.

     A filha Talia, dez anos, carrega até hoje nos pés as marcas das mordidas de ratos sofridas quando ainda era um bebê. O único que comenta a situação da família é o próprio catador.

     - Já fui mordido por ratinho pequeno enquanto eu estava dormindo. Acho que o lixo acaba atraindo eles, mas não tenho o que fazer. Só me resta o medo – deixa escapar Marco Antônio.

* Leia a reportagem completa no Diário Gaúcho desta quinta-feira, 18 de abril.

Fonte: Aline Custódio (textos) e Mateus Bruxel (fotos) | DIÁRIO GAÚCHO

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