quarta-feira, 17 de abril de 2013

Assassino confesso de taxistas apresenta personalidades opostas

Luan Barcelos da Silva, 21 anos, mostra ser educado e preciosista com as palavras, afetivo com a avó e frio ao narrar os crimes que chocaram o Estado à Polícia Civil
Assassino confesso de taxistas apresenta personalidades opostas  Tadeu Vilani/Agencia RBS
Foto pessoal do matador mostra tatuagem feita 23 dias antes da data do primeiro assassinatoFoto: Tadeu Vilani / Agencia RBS

     Enquanto detalhava a série de assassinatos de taxistas que admitiu ter cometido, Luan Barcelos da Silva, 21 anos, corrigiu o texto do escrivão de Santana do Livramento que redigia seu depoimento.

     Não gostou do verbo escolhido pelo policial para narrar um dos seis crimes confessados e pediu a substituição de palavras.

     — Eu não "atirei". Eu "efetuei um disparo" — repreendeu, durante o interrogatório na tarde de segunda-feira, na 1ª DP de Livramento.

     Como um autor preciosista com seu roteiro, temia a má interpretação da frase. Não queria que as pessoas pensassem que ele pudesse ter arremessado a arma em vez de apertar o gatilho. A minúcia de alguém que atenta para o português na hora de contar como tirou a vida de seis pessoas, sob o pretexto de conseguir dinheiro para pagar o aluguel de R$ 1 mil do apartamento onde morava com um amigo no bairro Santa Cecília, em Porto Alegre, impressionou policiais e advogados que acompanhavam o interrogatório — e é reveladora de uma mente que todos agora tentam desvendar.

     — Ele contou que matava como quem diz que fumou um cigarro — espantou-se o delegado regional Eduardo Sant´Anna Finn.

     À primeira vista, nada parece fazer sentido para os vizinhos e familiares que o viram crescer no bairro de classe média baixa Cohab do Armour, na Fronteira. Até porque ele próprio descende de uma família de taxistas. O avô era dono de táxi e exerceu a profissão por mais de 30 anos, assim como seu tio-avô. E o próprio pai, que é mecânico de motos, chegou a conduzir o táxi da família no turno da noite por pelo menos um ano, no ponto entre as vias Tamandaré e João Goulart. Luan não costumava frequentar o local. Mesmo que ele tivesse uma relação distante com o pai, já que foi criado pelos avós paternos depois de abandonado pela mãe, aos cinco meses, ninguém entende o que ele poderia ter contra taxistas.

     A imagem que todos na vizinhança guardam é a de um guri festeiro, que gostava de beber, de andar com seu Chevette com música a todo volume. O perfil de um serial killer parece não combinar em nada com aquele jovem falante que postava fotos no Facebook em que aparecia beijando a bochecha da avó, com o desenho de um coração na legenda. Amigos que recordam dele repartindo colheres de brigadeiro, assistindo Malhação na TV e dançando em um grupo tradicionalista do bairro durante a adolescência resistem a acreditar no que os vídeos, as impressões digitais e os depoimentos insistem em confirmar.

     — Era um rapaz normal, que bebia com os amigos, namorava no colégio, estudava, trabalhava — resume um vizinho, o técnico em informática Filipe Corrêa Morel, 18 anos.

Carinhoso com a avó

     Mas parte dessa normalidade era mantida com dissimulações. A mentira sobre o curso de Gestão Imobiliária na Ulbra, que exibia em seu Facebook, foi apenas uma das tantas que o pseudouniversitário inventou. Apesar de dizer no currículo que apresentava em busca de emprego na Capital que havia concluído o Ensino Médio na escola estadual Professor Chaves, em Livramento, os registros da instituição mostram que o aluno abandonou o colégio em 2010 sem concluir sequer o primeiro ano do Ensino Médio, depois de repetir por três anos na mesma série, entre 2007 e 2009. O abandono escolar coincide com a data da mudança para Porto Alegre, onde dizia que trabalhava como corretor de imóveis, embora não tenha habilitação para isso.

     No depoimento aos policiais também afirmou que dava aula de informática para crianças em Porto Alegre, quando na verdade estava concluindo um processo de seleção como vendedor no local, uma semana antes de ser preso. Contou ainda ter passado três anos no Exército, embora tenha sido expulso após somente oito meses, por uma soma de infrações, que teriam incluído atrasos e suspeitas de surrupiar objetos dos colegas.

     — Parecia um jovem sem juízo como outro qualquer, que a gente vê todo o ano — lembra o capitão Allan Mercês, comandante da Segunda Bateria de Atilharia Antiaérea de Livramento.

     Para impressionar, gostava de andar de gravata, com uma pastinha de couro, mesmo quando estava de folga em Livramento. Na Semana Santa, apesar de estar desempregado, colocou terno completo e ganhou da avó uma carona para procurar um imóvel para "um antigo cliente" no centro da cidade — que a polícia desconfia nunca ter existido.

Indiferente com as vítimas

Ao comentar com policiais que a arma havia falhado durante um dos crimes, reclamou da qualidade do projetil utilizado nas execuções:
"A munição era uma porcaria, não funcionava"

     No fim da tarde de quarta-feira, 27 de março, voltou para casa, pediu uma jaqueta emprestada ao avô e saiu para assaltar e matar três taxistas escolhidos aleatoriamente na madrugada seguinte. Voltou sem que ninguém percebesse nada de diferente em seu comportamento e, na quinta-feira santa, disse aos avós que precisava retornar a Porto Alegre — onde mataria mais três taxistas — por causa de um compromisso de última hora de trabalho.

     Aos parentes, costumava dizer que ganhava "muito bem" em Porto Alegre. Para seu irmão de 12 anos, filho do segundo relacionamento do pai, a quem presenteou com um dos celulares roubados dos taxistas, contava que faturava de R$ 4 mil a R$ 5 mil mensais. Mas tudo indica que a realidade era bem menos glamourosa. No currículo que apresentava, dizia ter sido balconista em uma farmácia e operador de telemarketing em uma loja de máquinas antes de vender imóveis. Uma das suspeitas da polícia é de que usaria parte da mesada recebida dos avós, supostamente para ajudar nos estudos, para financiar seus gastos pessoais na Capital.

     — Ele criou um personagem para ele mesmo e gostava de parecer mais do que era, de aparecer. O próprio local que ele morava não parece condizente com a renda — analisa o delegado regional.

Vida na cadeia

Durante o depoimento à polícia, quando advogados disseram que ele não era obrigado a falar, se não quisesse, Luan respondeu:
"Não me importo. Eu sei que vou ficar o resto da minha vida na cadeia, então eu vou falar"

     Na escola onde iniciou o Ensino Médio, ex-professores descrevem Luan como se fosse duas pessoas diferentes. Dentro de sala de aula, abraçava professores, puxava assunto, fazia piadinhas:

     — Ele sempre colocava a mão no meu ombro e dizia: eu vou casar com essa veia. Nunca vi ele prejudicar ninguém — lembra uma ex-professora de português.

     Fora da sala de aula, era conhecido pelo envolvimento em brigas constantes, no recreio e na saída da escola. Em um dos episódios marcantes, esperou um rapaz de outro colégio com um taco de basebol na saída do colégio e correu atrás dele, sob o olhar de todos os alunos. A confusão daquele dia foi dissipada com a chegada da Brigada Militar. Mas a agressividade não parou por ali. Luan carregava o taco dentro do porta-malas do seu Chevette e costumava ameaçar desafetos na saída das festas que frequentava na Fronteira, como nas boates Iguana Club e W Lounge, onde também era conhecido por bater — e apanhar. Parte das festas era regada a drogas. Luan confessou à polícia de Livramento ser usuário de esctasy e maconha, depois de também ter passado pela cocaína, que teria parado de usar.

     — Ele colecionava muitos inimigos por causa desse comportamento brigão. Não era de levar desaforo pra casa. Uma vez eu disse para a vó dele: qualquer dia, ou ele mata alguém ou aparece morto — conta um professor da escola.

     A avó a quem Luan chamava de mãe se preocupava, se esforçava, mas ex-professores avaliam que tinha dificuldade em dar limites para o neto. Preocupados em assegurar tudo de melhor para o neto, ela e o marido enchiam Luan de mimos. Antes mesmo de ter idade para dirigir, aos 17 anos, ganhou o primeiro carro — e com ele vieram suas primeiras infrações, por direção perigosa e falta de habilitação. Aparentemente, o rapaz mantinha uma boa relação com o avô, que só parou de dirigir o táxi quando sofreu um AVC, há cerca de oito anos. Com medo de que o neto passasse frio na viagem a Porto Alegre do dia 28 de março, chegou a tirar as calças que estava vestindo para dar ao neto, que usava bermudas — retornando para casa só de cuecas dentro do carro —, sem sonhar que Luan teria qualquer relação com as mortes de seus ex-colegas, que já assombravam a cidade vizinha de Rivera, no Uruguai.

Preocupado com a aparência

Luan pediu que os advogados que acompanharam o depoimento apagassem o perfil dele no Facebook e avisou ao perceber a imprensa:
"Não quero ser fotografado"

     Um dos símbolos da dubiedade que marca a vida de Luan é a imagem que tatuou em suas costas 23 dias antes da data do primeiro crime que confessou. Duas asas contornam desde as espáduas até a lombar, com seu nome no topo. Pintadas de vermelho e preto, contrastam com a suposta aura angelical que poderiam representar, como um anjo às avessas.

     — Se eu inventasse essa história, pareceria um absurdo. Mas, às vezes, a realidade supera a ficção — reflete o delegado Finn, ainda tentando reconstituir as cenas que faltam neste enredo de horror.

Fonte: Letícia Duarte | Santana do Livramento | ZERO HORA

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